POLÍTICA: "FOMOS À POSSE" - UM RELATO HISTÓRICO

 Éramos quatro petistas baianos. Fomos de carro; dois dias de viagem sem pressa. Brasília estava calma e deserta no dia 30, quando chegamos. Mas depois...

A posse foi à tarde, deixamos o carro meio-dia atrás do Palácio do Planalto e contornamos o prédio a pé, indo ficar bem em frente à rampa, na Praça dos Três Poderes. No caminho, recebemos dos companheiros petistas do DF bandeiras e lencinhos com as frases “Valeu, Lula” e “Bem-vinda, Dilma” e já fomos entrando no clima. Após o início das cerimônias, muita demora: Dilma vai à missa na Catedral; Dilma vai à Câmara tomar posse; Dilma discursa por mais de 40 minutos, a gente acompanhando pelo telão. Quando anunciaram o nome de ACM Neto entre os presentes na posse, a praça veio abaixo em vaias. Mas a grande expectativa do povão era o encontro de Dilma com Lula, que aconteceria no parlatório à nossa frente, e a troca da faixa.

De repente, uma chuva torrencial, daquelas “nunca antes ocorridas na história de Brasília”. Não havia onde se abrigar, pois sair dali significaria perder o lugar privilegiado para sempre e não mais conseguir chegar tão perto da rampa, pois a multidão só crescia e se espremia, todos tentando chegar mais perto. Então, ficamos firmes e fortes; um toró pesadíssimo formado por gotas imensas caindo na cabeça, descendo em cachoeiras por dentro da roupa e encharcando sapatos e afins. Celulares afogados, bolsa cheia d'agua, documentos molhados e com os corpos tremendo um pouco de frio, celebramos a primeira chuva do ano como adolescentes: rindo da situação.

Passa a chuva. Depois de muita espera, Dilma chega ao Palácio, passa de carro rápido à nossa frente, desce na frente da rampa, sobe, encontra Lula e Marisa; cumprimentos, abraços - O povo alterna as palavras de ordem já conhecidas: “Olê olê olê olá, Lula, Lula!” e a variante com o nome de Dilma. Tudo bem, não foi muito criativo, mas foi espontâneo - Vão todos ao parlatório. Lula passa a faixa rápido; mais abraços. Destaque para a mulher de Temer: ele, 70; ela, 27. O povo na praça falando sobre isso.

Dilma faz mais um discurso, este, menor: elogia Lula, agradece. Trata os brasileiros como queridas e queridos. Ressalta a responsabiliade do cargo e compromete-se a trabalhar para o povo mais humilde. Depois do Hino Nacional, todos voltam para dentro do palácio, deixando o parlatório. Muita espera para a descida da rampa: ficam lá dentro cumprimentando chefes de estado e afins. Na descida, Dilma, Lula e Marisa caminham sob gritos e mais palavras de ordem: “Partido, partido, é dos trabalhadores”. Dilma leva Lula até o final a rampa, despede-se dele na porta do carro e sobe de volta à rampa, entrando novamente no palácio.

Agora, na praça, os corações estão apertados: será que ele vem aqui? Será que já vai embora? Muitas lágrimas dos anônimos que se espremem para ver mais de perto os últimos momentos de Lula alí, já como ex-presidente, mas ainda impregnado da vitória de ter a maior aprovação popular entre todos os presidentes brasileiros. Isso a massa provava com sua atitude: olhos lacrimejantes, expectativa, dúvida, esperança. “Acho que ele não vem”, um dizia. “Vem sim, claro que vem” retrucava o outro. Mas ninguém saiu do lugar, mesmo naquele momento em que sabemos que a cerimônia acabou, é hora de ir embora.

Mas então, de repente, surge Lula, atravessa a rua e literalmente cai nos braços do povo. Tumulto. Gritos. Mais lágrimas. “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, gritam todos. A multidão se move como um só corpo, no sentido do alambrado. Alguns passam mal, outros esticam braços e câmaras fotográficas, levantam as crianças à altura dos ombros, se espremem. Os pés já não tocam mais o chão e os movimentos individuais não existem, e sim uma massa única de pessoas que se movimenta toda num mesmo sentido, num momento de perigo, medo, susto ao olharmos para trás e vermos o tamanho e o poder da massa que se move, o poder da massa que ajudou a construir o projeto de Brasil que temos hoje ao eleger por três vezes o PT. Enquanto ele andava em paralelo ao alambrado, aos prantos, abraçando as pessoas, estas, em resposta às diversas tentativas dos seguranças de levá-lo embora, gritavam: “Lula é do povo”. Assim, por alguns momentos, até a segurança conseguir puxar Lula de volta, ele tocou novamente o povo, entregou-se a ele. Essa emoção nenhuma TV mostrou.

Lula até se esforçou pra não roubar a cena, mas a estrela deste 01 de janeiro de 2011 ainda foi ele.

(Por: Norma Matos)