Dono do canhão do Fazendão, 'Cabo Lima' atualmente é treinador da base do Confiança. O Bahia lhe deve dinheiro, mas ele se emociona ao falar do clube.
Quando soube que se tratava de um entrevista sobre seu passado, José Luiz Lima imediatamente encostou o carro em uma rua qualquer de Aracaju. Nada mais importava naquele momento senão falar dos nove anos em que esteve no Bahia. Solícito, teve dificuldades para resistir logo à primeira pergunta. Sua voz começou a embargar, mas ele conteve o choro.
Era momento de resgatar suas emoções, glórias e alegrias com a camisa tricolor, mas seu drama atual se sobrepõe. O ex-volante Lima, o Cabo Lima, o Canhão do Fazendão, o ídolo da torcida sobrevive hoje com R$ 700 como treinador da divisão de base do Confiança e complementa a renda nos babas dos quarentões, a R$ 50 por jogo.
Mas o amor pelo Tricolor de Aço é concorrente forte, mesmo com o coração magoado. O clube ainda lhe deve dinheiro, mas ele não cobra. "Sou torcedor do Bahia. Tenho muita saudade". Aos 44 anos e apenas três como ex-jogador, Lima Sergipano alimenta o passado na esperança de que o futuro seja melhor.
Na conversa com o iBahia Esportes, o ex-volante abre o coração e revela o sonho de voltar a trabalhar no Fazendão, onde, segundo o próprio, viveu os melhores momentos da sua vida.
Saudades do tempo de jogador do Bahia?
Ô, meu irmão, nem fala. Tenho muita saudade. Outro dia vi o dvd do acesso do Bahia e não aguentei, véi. As lágrimas vieram e comecei a chorar. Sou torcedor fanático, doente. Devo muito ao Bahia. Estou sempre ligado nas notícias e preocupado também com o time.
E da velha Fonte Nova?
Como é que não tem, véi? Aquela Fonte Nova lotada, todo mundo gritando seu nome. É de arrepiar. Vi uns gols meus lá. Não dá para não ter saudade.
O que significa para um ídolo da torcida ver seu ex-clube às traças como o Bahia esteve nos últimos anos?
Quando joguei contra o Bahia na Série C eu disse que aquilo não era lugar para ele. Com a torcida que tem, não merece. Eu acho que tem que ter alguém na CBF para não permitir que esses times grandes caiam. É muito prejuízo para a importância do time.
Qual a partida memorável que você fez pelo Bahia?
Tenho duas. Uma contra o Vasco, fiz dois gols. A outra foi contra o Corinthians, fiz um gol quase do meio-campo. Os dois jogos foram na Fonte Nova. (O jogo contra o Vasco foi pelo Brasileiro de 96; contra o Corinthians, o de 97).
E o gol mais bonito com a camisa tricolor?
Esse contra o Corinthians. Cobrei uma falta do meio da rua e acertei o ângulo. O goleiro do Corinthians era Ronaldo.
Pelo Bahia, você conquistou três títulos baianos, uma Copa do Nordeste e a antiga Copa Renner. Qual foi o mais importante?
O Baiano de 1994. A gente estava perdendo para o Vitória e precisávamos apenas do empate. Raudinei fez o gol nos acréscimos do segundo tempo com uma bola que veio da defesa. A torcida do Bahia já estava indo embora da Fonte Nova. o estádio veio abaixo depois do gol. Foi maravilhoso!
E o Vitória? Alguma relação ou simpatia?
Eu tive oportunidades de ir para o Vitória naquela época. Paulo Carneiro fez o convite, mas eu nunca tive vontade não. Minha ligação com o Bahia era muito forte, véi. Eu entrava em campo e esquecia tudo, mesmo com os problemas. Tinha época que não recebia durante três, quatro meses e não tava nem aí. O bicho pegando fora de campo, mas quando entrava para jogar virava bicho.
Você guarda mágoas? O Bahia ainda te deve alguma coisa?
Guardo sim. Não do clube, mas das pessoas que mandavam naquela época. Não fui valorizado. Via jogador no banco ganhando R$ 60 mil, R$ 50 mil e eu ganhando R$ 4 mil. Mas eu também não tinha empresário e nem procurador. O Bahia ainda me deve FGTS da minha época. É só isso. Não entrei na justiça, mas estou precisando. Minha situação não é boa, véi...
Como é que você está vivendo hoje?
Trabalho no Confiança. Sou treinador da divisão de base e tenho um salário de R$ 700. Eu merecia mais reconhecimento. Tenho dois filhos e sou casado. Sustentar a família com esse salário é difícil. Tenho uma filha em Salvador e não tenho condições de ajudar. Meu coração é arrasado por isso.
Mesmo sem reconhecimento, você manteve a dedicação. Como conseguiu?
Não sei não, véi. Eu me transformava quando entrava em campo com a camisa do Bahia. Não sabia o que acontecia. Esquecia tudo, mesmo com os problemas. Parecia que tinha recebido dez meses adiantados. Tive oportunidades para ir para time grande, mas o Bahia nunca me liberou. Saí daí em 1999 ganhando R$ 12 mil. Na época, Uéslei ganhava R$ 80 mil. Hoje eu pago por não ter feitos bons contratos. Não ganhei muito dinheiro no futebol.
Você sonha em trabalhar no Bahia algum dia?
É claro! É um clube que eu deixei as portas abertas. Tenho mágoas de quem mandava antes, mas tenho amigos lá. Sou bem recebido quando vou ao Fazendão, quando vou à Bahia, em Salvador e no interior. Tenho mágoas das pessoas que não me reconheceram. Paulo Maracajá (presidente do clube à época) gostava de mim como jogador, mas não me valorizava como pessoa.
Quando e onde você começou a jogar futebol?
Comecei a jogar no Itabaiana-SE com 20 anos. Meio tarde, né? Tinha que trabalhar para ajudar a família. Eu arrumei um tempo para jogar na base do Itabaiana e o clube me deu uma ajuda de custo para parar de trabalhar e só treinar. Eu era açougueiro. Comecei jogando de lateral-direito, mas depois fui ser volante. Joguei até de lateral-esquerdo. O Brasileiro de 1994 atuei quase todo de lateral-esquerdo. Joel Santana que me colocou.
E como foi sua trajetória no Futebol?
Depois do Itabaiana, fui para o Bahia. Joguei lá de 1991 a 1999. Fui emprestado nesse período para o São José dos Campos-SP e para o Sport. Depois que fiquei livre do Bahia, joguei no ABC-RN, Cabofriense-RJ, Campinense-PB e de novo no Sport.
Lembra do 'Cabo Lima'? De onde surgiu esse apelido?
Como é que não lembro? 'Cabo Lima' surgiu através de um narrador daí, Sílvio Mendes. Não sei por que ele resolveu chamar assim, mas daqui a pouco tava todo mundo chamando igual: 'olha o Cabo Lima aí, lá vem o
Cabo Lima...'.
Lembra da sua chegada ao Bahia? Achou que viraria ídolo da torcida?
Cheguei em 91, pela manhã. Fui bem recebido. Já me encantei com aquele pessoal todo que via na TV, Paulo Rodrigues, Charles, Bobô...Muita responsabilidade. Nunca imaginei que seria ídolo. Fui para Salvador tentar ajudar minha família, dar uma casa à minha mãe. Mas não pensava em ser ídolo.
Você lembra dos seus antigos companheiros? Quais eram os seus amigos?
Paulo Rodrigues era um deles. Gostava muito. Mas tinha Bobô também...Maílson, véi! Meu amigo. Estou muito triste com a situação dele. Espere que ele se recupere. É muito ruim o que está acontecendo com ele. Não merece.
Algum inimigo?
Não fiz inimigo no Bahia. Só fiz amizade boa, graças a Deus.
E o canhão do Fazendão? Ainda consegue mandar aquelas bombas nos babas?
Antigamente a bola atingia 120 km, 130 km por hora. Hoje não passa de 40 km, mas bota 60 km aí para me dar uma moral, véi. Quando vou bater uma falta no baba, os caras da barreira ficam com medo de eu soltar uma bomba, mas só sai um traque. Às vezes pego uns babas aqui para ganhar uma 'teteia', qualquer 50 conto.
Você parou de jogar futebol com 41 anos, no Confiança. Ainda havia fôlego ou era na raça mesmo?
Joguei na raça mesmo e na precisão. Estava precisando e não podia parar cedo. Agradeço muito ao Confiança e devo muito a Deus também. Nunca tive contusão mais séria na minha carreira.
A torcida do Bahia tem um carinho enorme por você. Manda aí uma mensagem para ela...
Agradeço muito a torcida do Bahia pelo que ela representou para mim e para minha vida. Praticamente toda a minha carreira de futebol foi no Bahia. Sempre tive o apoio da torcida, que é maravilhosa. Mesmo com o rebaixamento (em 1997), saí pela porta da frente enquanto outros jogadores saíram pela porta dos fundos. Peço a Deus que o time fique na primeira divisão para dar alegria à torcida. Ela merece.
(Por: Correios 24 Horas)
(Por: Correios 24 Horas)
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